Visitinhas

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Olhei o letreiro gasto e com letras faltando o que completaria a palavra BAR DO DESESPERO. Não sei ao certo se era assim chamado, na verdade, não me lembro de ter visto a palavra DESESPERO, mas ela veio bem a calhar naquele momento.
À medida que entrava o chão de taco respondia com alguns ruídos às minhas leves e estreitas pisadas. Meus olhos percorreram todo o salão pouco iluminado. Lá no fundo o garçom preparava algumas doses de bebidas baratas. Muitas mesas vazias, poucos clientes.
Continuei entrando enquanto observava àquela ruiva rodopiando – sozinha – àquele salão vazio. Sua boca ainda trazia a cor dum batom vermelho sangue. Numa mão um copo, noutra um cigarro. Dançava simplesmente – sozinha – com os olhos fechados. Indiferente, apática e inatingível.
Em outra extremidade do salão um homem sentado – sozinho – tomando uma bebida qualquer. Mas a ruiva não lhe detinha a sua atenção, pois esta estava tão somente voltada ao fundo do copo. Mirava-o como se quisesse consumi-lo ou consumir o que lhe aparecia como miragem. O cigarro em uma das mãos, esquecido, queimava e se consumia sem ser sequer tragado.
Continuei andando - l e n t a m e n t e – à procura dum lugar. Fiquei num cantinho ainda menos iluminado. Pedi uma dose Martine, mas o garçom demorou a notar minha presença. Insistindo voltei a chamá-lo que por fim atendeu-me. Enfim meu Martini Bianco, com pouco gelo e uma cereja: é assim que eu gosto.
Entrou pela porta principal um jovem com um violão no ombro. Caminhava adentro do bar em direção a um pequeno tablado encostado num canto do salão. Silenciosamente acomodou-se, afinou o velho violão com alguns acordes, dirigiu um tímido e rouco “boa noite” sem olhar para a limitada platéia e, a ruiva do salão, sem perceber que a vitrola parara e que ali já havia um músico, continuava dançando como se estivesse hipnotizada.
Alheio à ruiva, o jovem iniciou seu espetáculo olhando para seu All Star vermelho. Não lembro que música tocava e cantava, mas lembro que não lembro de um acorde sequer, não lembro nem mesmo se era afinada sua voz ou não. Era como se o mundo tivesse emudecido e houvesse apenas vultos.
Fiquei ali durante bastante tempo, entre uns e outros Martines. Enfim amanheceu e aos poucos um a um seguia pela porta rumo à suas vidas. Será que queriam mesmo voltar para elas? Será que eu mesma gostaria de voltar à minha vida, minha velha vida?
E ali, naquele bar do desespero, deixei meu último copo de Martini inacabado e segui simplesmente. Na calçada, as pessoas transitavam, cada qual envoltas em seus pensamentos, indiferentes a mim e aos meus companheiros daquela noite, naquele bar. Qual eram mesmo os seus nomes? Para que lado mesmo eles seguiram? Qual era mesmo a cor do batom daquela ruiva?
Mais a frente, vi um vira-latas andando pela rua tentando atravessar a avenida. Ele, também indiferente a tudo, só se detinha aos carros a espreita duma oportunidade de chegar ao outro lado. Finalmente conseguiu. E ali, naquela rua, saindo daquele bar, transitando dentre aquelas pessoas, finalmente dei minha primeira risada e assim, meio sem querer, a vida continuou.

Um comentário:

  1. Adorei. Simplesmente um conto; um fragmento de desepero.
    Achei que fosse eu pelos Martinis e a cereja. hummm

    Penso o quão necessário e triste é uma experiência deseperadora. Andar só. Estar só apesar de ter alguéns conosco. Todos desconhecidos de si e dos outros.
    Que seja apenas uma noite; uma experiência.

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